Dois crimes sexuais são registrados por dia no Estado

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Números são relativos aos sete primeiros meses do ano. Dentro de ônibus, foram sete

A estudante Michele de Lima, 21 anos, sempre se sente insegura dentro do ônibus e durante a  noite. "Mesmo nunca tendo passado por isso, a gente se preocupa. Eu cancelei uma matéria porque sairia às 22 horas. Atrapalha o rendimento."
A estudante Michele de Lima, 21 anos, sempre se sente insegura dentro do ônibus e durante a noite. “Mesmo nunca tendo passado por isso, a gente se preocupa. Eu cancelei uma matéria porque sairia às 22 horas. Atrapalha o rendimento.”
Foto: Fernando Madeira

Os crimes de estupro, assédio sexual e ato obsceno fazem diversas vítimas todos os dias. São registrados dois casos, em média, por dia no Espírito Santo desses que são chamados crimes contra a dignidade sexual. De janeiro a julho foram 408 registros. Em ônibus, foram sete. Já em São Paulo, só no Metrô e nos trens de foram registrados 127 casos.

Uma jornalista de 26 anos, que preferiu não se identificar, foi assediada dentro do ônibus. Ela notou algo estranho, quando viu a mão de um homem em sua perna. Ela saltou no ponto mais próximo.

A estudante Alana Siquara, 22, não gosta de andar  na Ufes sozinha e pegar ônibus sem companhia. "As pessoas só tomam atitude quando acontece alguma coisa. Um tempo atrás um cara mostrou o órgão sexual e fiquei sem reação."
A estudante Alana Siquara, 22, não gosta de andar na Ufes sozinha e pegar ônibus sem companhia. “As pessoas só tomam atitude quando acontece alguma coisa. Um tempo atrás um cara mostrou o órgão sexual e fiquei sem reação.”
Foto: Bianca Vailant

“Eu sempre andei de ônibus para estudar e trabalhar. Fiquei assustada e com medo do que ele poderia fazer e do que as pessoas iriam achar se eu fizesse alguma coisa. Já sofri vários tipos de violência, e a coisa não muda”, afirma.

A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nevid) do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), promotora Cláudia Regina Albuquerque Garcia, afirma que a vítima não pode se sentir culpada.

“No Brasil tradicionalmente há uma culpabilização das vítimas nos crimes sexuais. A culpabilização é feita pela sociedade, sistema de justiça e própria vítima. Em contrapartida, há uma naturalização do comportamento agressor, a sociedade tolera essas práticas abusivas feitas pelos homens e sempre há uma justificativa: bom profissional, bom esposo”, comenta.

Ela explicou que, por conta da culpabilização por parte da vítima e naturalização por parte do homem, muitas mulheres não denunciam. “Elas sentem vergonha e não encontram amparo de pessoas próximas”, diz.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) informa, por meio de nota, que a estrutura montada para enfrentar a violência contra mulher tem permitido a redução dos índices criminais. De janeiro a julho de 2016 foram registrados 539 registros de crimes contra os costumes.

“Importante frisar que as vítimas devem denunciar, assim como testemunhas, pelo 190, quando o ato está sendo praticado. Para atender as vítimas as Delegacias Especializadas foram estruturadas, com o objetivo de assegurar atendimento digno à mulher em situação de violência. O Estado conta hoje com 11 delegacias especializadas no atendimento à mulher.

Com colaboração de Bianca Vailant

ENTENDA

Importunação

O delito de importunação ofensiva ao pudor é previsto na Lei das Contravenções Penais, de 3 de outubro de 1941. Conforme a legislação, é referente a quem “importuna alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”. Acontece quando não há contato físico e acontece em local público voltado a uma pessoa específica.

Estupro

O crime de estupro que está no artigo 213 do Código Penal consiste em constranger alguém a manter conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. A pena varia de 6 a 10 anos.

Estupro de vulnerável

O ato é praticado contra pessoal vulnerável, assim conceituada como aquelas que ainda não completaram 14 anos de idade, ou mesmo quando não conseguem por alguma circunstância oferecer resistência (ex. cadeirantes, embriagados, dopados, etc.). A pena varia entre 8 e 15 anos

Assédio Sexual

O assédio sexual passa a ser previsto no artigo 216 A do Código Penal. Caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém normalmente de posição superior à vítima. A pena é de detenção e varia entre um e dois anos.

Ato obsceno

O crime está previsto no artigo 233. É quando alguém pratica uma ação de cunho sexual (como exibir seus genitais) em local público, a fim de constranger ou ameaçar alguém. A pena varia de 3 meses a um ano, ou pagamento de multa. Não necessariamente é voltado a uma pessoa específica.

INTERPRETAÇÃO AD LEITE LEVA À LIBERAÇÃO DE ABUSADORES

Diego Ferreira de Novaes é acusado de ejacular no pescoço de uma passageira de um ônibus na Avenida Paulista
Diego Ferreira de Novaes é acusado de ejacular no pescoço de uma passageira de um ônibus na Avenida Paulista
Foto: Reprodução | TV Globo

Mesmo com tantas leis, a falta de detalhamento em algumas delas dá margem para a que o juiz precise usar a interpretação e, por conta disso, o abusador pode não sofrer punições mais severas. Dessa forma, a sensação de impunidade persiste, segundo juristas e especialistas em Direito.

O caso do homem que ejaculou no rosto da passageira de um ônibus em São Paulo levantou questionamentos. Na quarta-feira passada, ele foi preso em flagrante e, em menos de 24 horas, foi liberado após o juiz concluir que o ato não seria estupro, mas sim uma contravenção penal, possível de punição com multa.

Na decisão o juiz informou que “o crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”, dizia a decisão. Diego Novais repetiu o ato voltou a ser preso no sábado.

A advogada criminalista e procuradora aposentada Luiza Nagib Eluf explica que esse caso expõe um problema na legislação, pois o Código Penal não descreve o que é violência.

“O juiz considerou que era uma mera contravenção penal porque ele não consegue entender que existiu um constrangimento mediante violência. Isso porque entende a violência como física”.

A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nevid) do MPES, Cláudia Garcia, explica que, se não houver detalhamento no Código Penal, pode haver interpretação complementar.

Por isso, a aplicação da lei deverá levar em consideração a convenção de Belém do Pará e a Lei Maria da Penha. “A convenção descreve o que é violência como física, psicológica, patrimonial, moral e sexual”.

A advogada participou da elaboração um projeto de lei que pretende mudar a lei. A proposta, que está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cria punição específica para os casos em que o ataque sexual é feito sem violência ou grave ameaça.

“Nós poderíamos chamar de molestação sexual e que envolvesse esse tipo de conduta. Teríamos que fixar uma pena também intermediária, uma pena de 3 anos ou 4 anos, no máximo, de reclusão”, explicou Luiza.

Com informações do Fantástico