‘Rolezinhos’ em shoppings são grito por lazer e consumo, dizem funkeiros

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Encontros ocorreram em shoppings de Guarulhos e na Zona Leste de SP.

Lojistas fecharam as portas e polícia foi acionada após chegada de grupo.

14.dez.2013 – “Rolezinho” no shopping Internacional Guarulhos (Grande SP) terminou em tumulto e com mais de 20 detidos. O encontro dos jovens foi marcado nas redes sociais Robson Ventura/Folhapress

Tatiana Santiago, Kléber Tomaz e Lívia MachadoDo G1 São Paulo

rolezinho

 “Eita p…, que cheiro de maconha”, trecho da música “Deixa eu ir”, de Daniel Pellegrini, alcunha de Mc Daleste, funkeiro assassinado durante show em Campinas em julho deste ano, foi entoado por um grupo de jovens logo no início do “rolezinho”, no último sábado (14), no Shopping Internacional de Guarulhos. A música ecoou no espaço como toque de recolher. Consumidores bateram em retirada, os lojistas desceram as portas e a polícia foi acionada.

Convocadas pelo Facebook, as reuniões de funkeiros batizadas de “rolezinho” passaram a amedrontar administradores de shoppings e viraram alvo de investigações policiais. Nessa última, entretanto, não foi registrado furto, violência ou porte da droga citada na canção-hino de abertura do evento.  Os rapazes levados à delegacia foram liberados na sequência. Para os jovens, as cenas de correria foram resultado da abordagem de seguranças ou da chegada da Polícia Militar.

13.jan.2014 – Os amigos Rodrigo Maciel, 16, (camisa verde) e David Maciel, 13, (camiseta branca) são conhecido por serem “famosinhos” na internet e participam de “rolezinhos” em shoppings de São Paulo. Pelo menos seis shopping centers do Estado de São Paulo conseguiram liminares para impedir a prática Eduardo Anzielli/Folhapress

 

Este tipo de encontro em lugares públicos-privados não é propriamente uma novidade em São Paulo. Estacionamentos de supermercados e postos de gasolina também são corriqueiramente ocupados nas noites e madrugas aos finais de semana por um grupo que quer se fazer ouvir – ou apenas se divertir – independente do estilo musical que entoa.

“Para mim isso surge como um grito de revolta. As músicas do Daleste são vistas pela nossa comunidade como um grito de revolta”, avalia Fabiola Pelegrini Scorzzo Elias, 35 anos, prima de Daleste e a mais nova Mc da família.

As reivindicações, segundo a funkeira novata, são variadas. As disparidades sociais, a falta de infraestrutura e acesso de uma população cansada de viver à margem podem justificar o movimento. “A gente não tem muito meio para se divertir. A gente vai se divertir com a música. As pessoas procuram lazer, mas não tem. A música é a deliberação de ideias. O funk serve como porta-voz. Ele é o que você viveu o gostaria de viver.”

Como visto nas manifestações de junho, os atos têm a finalidade de incomodar. E isso não altera o caráter pacífico do motim. “Protesto já é para perturbar. Para se fazer ouvir. É um grito. Esses moleques precisam ser ouvidos”, defende Mc Fabiola.

Diversão, balé
Organizador do rolezinho no Shopping Internacional de Guarulhos, Jefferson Luís, de 20 anos, defende que o evento não tem ligação com o funk, mas com a falta de opções de lazer. Ele também negou que seja uma forma de protesto contra a opressão dos bailes funks nas ruas da cidade. “Não seria um protesto, seria uma resposta à opressão. Não dá para ficar em casa trancado”, disse.

O rapaz conhecido como Mc Jota L, busca a oportunidade de se tornar um músico famoso e também canta músicas com refrões do funk ostentação. Após o tumulto ocorrido no Shopping Internacional, o organizador do evento cancelou a próxima reunião, marcada para o dia 21 de dezembro. Neste sábado (14), a Polícia Militar disse ter sido recebido “diversas chamadas” relatando um arrastão no local. Pelo menos 22 suspeitos foram detidos, entre eles o Mc Jota L. Todos foram averiguados e liberados após identificação.

Rolezinho

“Eu organizei sim, mas não foi no intuito de incitar o crime. Desde o início, eu disse para manter a disciplina, minha intenção sempre foi boa”, disse.

Jefferson trabalha como ajudante geral em uma empresa que fornece som para eventos. O rolezinho no shopping é diversão e fomenta os sonhos de consumo. Para ostentar no peito uma corrente dourada – e não de ouro – ele conta que precisou economizar um mês de salário. A bijuteria foi usada no figurino da gravação de um vídeo disponível na internet.

O visual desejado não necessariamente representa o que o rapaz deseja ser. “Se eu tivesse um quarto só pra mim hoje já seria uma ostentação”, conta ele, que divide um único cômodo com mais oito pessoas (mãe, padrasto, 4 irmãos e 2 sobrinhos) em uma comunidade de Guarulhos, na Grande São Paulo.

Ele agora virou alvo da Polícia Civil de São Paulo, que instaurou inquérito para investigar os responsáveis por organizar os “rolezinhos” por suspeita de “furto, incitação ao crime, associação criminosa e perturbação do trabalho ou do sossego alheio”. Neste mês, houve tumulto e confusão no dia 7, no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste da capital, e no último sábado (14) no Internacional Shopping, em Guarulhos, na região metropolitana.

“Vou apurar essa confusão que houve. Vi as imagens e diante do que vi abri um boletim e vou apurar contravenção por perturbação da paz pública”, disse o delegado Luiz Antônio da Cruz, titular do 65º Distrito Policial, Artur Alvim, nesta segunda-feira (16) ao G1. “Eu resolvi abrir inquérito porque não pode ficar barato. Porque há uma criminalidade: perturbação do sossego”.

Criminalização
O antropólogo e professor da Unifesp, Alexandre Barbosa Pereira, especialista no estudo de grupos com práticas culturais ou de sociabilidade, como são popularmente conhecidas academicamente as tribos urbanas, diz que ficou surpreso com as reações contra os encontros.

“O que mais me espanta é a reação que tem ocorrido por parte da mídia, da polícia, em criminalizar esses encontros”, afirmou Pereira.  De acordo com o antropólogo, o maior incômodo ocorre devido a classe social dos jovens que eram excluídos deste tipo de lazer.

São jovens pobres que estão reivindicando o direito de frequentar um espaço de encontro, de diversão, de paquera, que antes não tinham acesso. Os shoppings são símbolos de segregação das cidades, que querem se proteger contra a violência”
Alexandre Barbosa Pereira,
antropólogo e professor da Unifesp

“São jovens pobres que estão reivindicando o direito de frequentar um espaço de encontro, de diversão, de paquera, que antes não tinham acesso. Os shoppings são símbolos de segregação das cidades, que querem se proteger contra a violência”, ressalta.

Para ele, o que muitos chamam de invasão, nada mais é do que uma reivindicação ao consumo, mesmo que de forma inconsciente. “Vivemos em uma fase de incentivo ao consumo”, diz.

Rota da ostentação
O cantor André Luiz Moura Pimentel, de 32 anos, conhecido como Mc Danado, virou músico há sete anos. Assim como os demais MCs, ele usa roupas de grife diariamente e não dispensa o uso de correntes de ouro e prata em seus shows – acessório-símbolos dos funkeiros da vertente ostentação.

Ex-office boy, Mc Danado hoje ganha cerca de R$ 40 mil mensais com seus shows. Ele defende os rolezinhos, mas rechaça a violência. “Eu acho legal o pessoal se reunir, mas o que alguns fazem é ridículo. Tem que ter paz”, diz ele. “O funk está em alta, os jovens acabam cantando (nos corredores dos shoppings) e fazem essa relação incorreta. Mas teve arrastão no Rock in Rio e lá a música era rock”, lembrou.

Ele também acredita que falta um espaço de lazer para os jovens, que não têm recursos financeiros para passear em outros lugares, e que somente às autoridades públicas poderiam resolver essa questão com o fornecimento de um espaço para reuniões.

Lojistas querem diminuir repercussão
De acordo com a assessoria de imprensa do Shopping Metrô Itaquera, 65 mil pessoas passam diariamente pelo centro comercial. Devido aos episódios recentes de encontros em massa nos shoppings, o superintendente do Shopping Metro Itaquera, Bruno Câmara afirmou que a segurança interna no estabelecimento foi reforçada.

“Teve reunião lá na Abrasce [Associação Brasileira de Shoppings Center]. Isso aconteceu e deu uma esfriada. A nossa orientação é parar de dar publicidade a isso que ocorreu no fim de semana [no Internacional Shopping Guarulhos]. A gente prefere esquecer. Sempre que surge volta a falar no caso de Itaquera. Foi muito menos do exposto na mídia, não teve arrastão. Esse fim de semana foi shopping normal. E eles [organizadores dos ‘rolês’] estão marcando em outros shoppings, não sei se isso vai tomar a proporção, mas a gente não está mais falando sobre isso não”, disse o superintendente Bruno Câmara.

Questionado se está tomando medidas de segurança, o superintendente respondeu. “As medidas, a gente entende que isso é um problema de segurança pública. A gente está mandando ofício, estamos conversando com a polícia, com batalhão [da PM], estamos tendo apoio. Mais as medidas normais, de reforço de segurança. Reforço interno, pedir patrulhamento mais ostensivo da PM perto dos shoppings”, disse Bruno Câmara.

No dia do encontro, o shopping informou por meio de nota que “os jovens se exaltaram, a polícia foi acionada e por medida de segurança e conforto dos nossos clientes e lojistas, às 20h30 o shopping encerrou suas atividades”.

Associação prega cautela
De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), uma reunião com os representantes dos shoppings foi convocada após o primeiro tumulto registrado no Shopping Itaquera.

A única coisa que eu tenho a lamentar se isso realmente prejudicar o movimento saudável do Natal, que sempre é um período de muita frequência em shopping. Se isso, de alguma forma, prejudicar o movimento, eu acho que é uma pena, não só para nós, empreendedores, quanto também para o público que frequenta.”
Luiz Fernando Veiga,
presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers

“O nosso cuidado, a nossa atenção máxima é com relação às pessoas que frequentam normalmente os shoppings centers. A defesa e a proteção deles é o que nós queremos sempre conseguir. Mas nós não tínhamos uma fórmula mágica não. Nós discutimos o assunto, cada um se encarregou disso e cada um partiu para tomar as medidas necessárias em defesa de seu empreendimento”, afirma Luiz Fernando Veiga, presidente da Abrasce.

“A única coisa que eu tenho a lamentar se isso realmente prejudicar o movimento saudável do Natal, que sempre é um período de muita frequência em shopping. Se isso, de alguma forma, prejudicar o movimento, eu acho que é uma pena, não só para nós, empreendedores, quanto também para o público que frequenta.”
Questionado se os encontros com mais de mil pessoas marcados pela internet devem ocorrer em shoppings, ele respondeu que “não gosta da ideia” já que  os centros de compras recebem clientes de forma não programada. “Mas não tem outra coisa a não ser conviver”, disse o presidente da Abrasce.

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