Reprovado no Flu, garoto francisquense ‘adotado’ por Deco não desiste: ‘Sou guerreiro’

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Até onde você vai para tentar realizar seu sonho? Maicon Souza conta que fugiu de casa, em Barra de São Francisco, no Espírito Santo, foi assaltado no Rio, dormiu quatro dias na rua praticamente sem comer, mas conseguiu ser ouvido por Deco. Sensibilizado com o sofrimento do menino de 14 anos que batalhou por uma chance de mostrar seu futebol, o apoiador o abrigou em sua casa e viabilizou uma semana de testes em Xerém. No entanto, a luta de Maicon agora continuará longe do Fluminense. Após testes físicos e treinos táticos e técnicos em campo, o garoto acabou reprovado. Mas avisou que não vai desistir.

A notícia foi dada com cuidado pelo clube. Havia a preocupação de que o insucesso no primeiro teste de verdade pudesse causar um dano psicológico. O gerente geral das divisões de base do Fluminense, Fernando Simone, afirmou que a comissão técnica das categorias base tem experiência na hora de transmitir a notícia ruim, em razão do alto número de crianças reprovadas em peneiras. Ainda assim, a cautela foi especial no caso de Maicon.

– É sempre ruim para nós. É como acabar com um sonho. Mas, ao mesmo tempo, falamos que eles podem tentar em outro lugar. Por todo o histórico do Maicon, tivemos um cuidado maior. Havia uma preocupação – afirmou o dirigente.

Fernando ainda fez questão de frisar que a maneira como Maicon chegou ao clube não foi a ideal.

– Existe uma série de procedimentos, autorizações… Foi um pedido do Deco, e nós conseguimos viabilizar todos os documentos e exames. Poderia ter dado certo, mas infelizmente não foi o caso – disse.

Se em campo Maicon revelou timidez com a bola nos pés, fora dele mostrou uma personalidade construída na marra pelas lições e tropeços da vida. O garoto assumiu ser torcedor do Vasco, mas disse ter incorporado em uma semana de Fluminense o espírito guerreiro pelo qual o clube se tornou conhecido. E é com essa vontade que ele estabeleceu um prazo para continuar em busca de seu sonho: dois anos.

– Não vou desistir. Vou tentar até  completar 16 anos. Depois sei que fica difícil. Mas acredito em mim e na luta pelos sonhos. Como vou largar isso tão facilmente? Depois de tudo isso? Foram dias dormindo na rua, sem comer… Pensava na minha mãe, pensava em voltar, mas a vontade de realizar o meu sonho sempre foi maior. Sei que existem garotos melhores do que eu, mas com orientação eu posso ser melhor do que eles. E eu vou atrás. Era vascaíno quando mais novo, mas aprendi no Fluminense a encarnar o espírito do time de guerreiros. E eu sou um guerreiro – disse.

Nossa reportagem acompanhou um dia de treinamentos de Maicon, que atua como meia, em Xerém. Durante um coletivo do Tricolor contra uma equipe da Baixada Fluminense, o garoto mostrou timidez. Teve uma boa chance, mas o chute saiu fraco. Em outro momento, tentou aplicar um lençol no marcador, sem sucesso. Sem a bola nos pés, esteve perdido taticamente e ouviu cobranças dos companheiros para ajudar na marcação. Fisicamente, estava abaixo do restante do time, dando sinais de cansaço. O melhor momento foi um bom passe para um companheiro cruzar na medida e ver o atacante marcar. No fim da atividade, admitiu que esperava mais.

– Uma pena que o chute tenha saído ruim. Mas dei um bom passe – afirmou Maicon, que treinou, por acaso, com a camisa 20, a mesma do padrinho Deco, e com um par de chuteiras novinhas compradas pelo apoiador, escolhidas pelo próprio menino.

Deco se sensibiliza, mas condena fuga e faz alerta

A história de Maicon sensibilizou Deco. Quando deixava as Laranjeiras em seu carro, no último dia 30, parou e ouviu o apelo do menino. À medida que os detalhes da fuga eram revelados, mais o apoiador se impressionava. E resolveu ajudar. Principalmente após perceber que, caso resolvesse ignorar e ir para casa, o risco de Maicon continuar longe da mãe nas ruas do Rio era grande. No entanto, Deco faz questão de mandar um alerta para outros jovens que tenham o mesmo sonho.

– Sair de casa assim não é a melhor maneira de realizar um sonho. É preciso procurar uma escolinha, alguém que possa ajudar… E não pode abandonar os estudos de jeito nenhum. Ele tem 14 anos e está no quarto ano. Deveria estar mais adiantado nos estudos. Pegar um ônibus e sair sozinho pelo mundo não dá. A coragem dele é bacana, assim como a determinação, mas não foi o jeito certo de se realizar esse sonho. Poderia acontecer algo pior – afirmou.

Quando conversou com o GLOBOESPORTE.COM, Deco não sabia o resultado da semana de testes de Maicon. Mas ele já previa que o risco do insucesso era grande, uma vez que clubes como o Fluminense reprovam milhares de garotos por temporada. E o camisa 20 já se prontificou a ajudar Maicon e sua família, principalmente no que diz respeito ao estudo.

– O futebol tem seu lado bom e ruim. Muitas vezes cria esse sonho nos meninos. Tentei falar para ele que o futebol nem sempre dá certo. É até normal que ele não passe. Por isso é preciso estudar. Agora estou esperando para ver como posso ajudá-lo. Talvez dar algum auxilio à família – disse Deco, lembrando que não teve grandes dificuldades quando iniciou a própria carreira.

Fugir de casa não é novidade para o menino

Esta não foi a primeira vez que Maicon fugiu em busca de seu sonho. Em 2010, então com 12 anos, ele diz que tentou a sorte no futebol mineiro. Ao longo dos dias, trabalhava vendendo picolé e engraxando sapatos. O dinheiro que juntava era guardado para poder conseguir comprar a passagem em busca do destino escolhido. Um deles foi Belo Horizonte. Tentou a sorte no Atlético-MG e no Cruzeiro. No Galo, recebeu uma oportunidade como a que ganhou no Fluminense. Mas o destino foi o mesmo. Meses depois, ele viajou para São Paulo, mas também sem sucesso. Até que resolveu tentar o Rio de Janeiro pela primeira vez. Ao chegar ao Flamengo, ouviu que não poderia nem tentar o teste sem a presença da mãe ou ao menos um documento assinado autorizando a entrada dele sozinho. No Botafogo e no Vasco, ouviu o mesmo. Desistiu e voltou para casa. Em vez de explicar tudo para a mãe, conseguiu a assinatura e prometeu que não fugiria, mas voltou a arquitetar o retorno ao Rio, concretizado no último dia 19. Maicon reconhece que sua atitude foi errada. – Ela não deixa mesmo. É capaz de botar alguém atrás de mim. Penso nela sempre, sei da preocupação, mas meu sonho é maior que isso. E as coisas não caem no colo. Você tem de ir atrás. Fico preocupado com ela, mas, sempre que chego nos lugares, procuro um orelhão e aviso – explicou. Cueca emprestada em Xerém O sonho ainda não foi concretizado, mas Maicon volta para casa com experiências inesquecíveis. Nem no seu sonho mais otimista ele imaginava um dia estar ao lado de um jogador consagrado como Deco. Dormir em sua casa então, soava mais improvável ainda. E jogar videogame? Essa hipótese nunca havia sequer passado pela sua cabeça. Mas tudo isso aconteceu no dia em que o camisa 20 tricolor acolheu o garoto em seu apartamento. – Nunca tinha nem entrado em uma casa de alguém com tanto dinheiro. Fiquei querendo fazer um milhão de perguntas sobre a sua carreira, sobre como ele tinha feito até chegar lá… Mas resolvi ficar quieto. Foi estranho, mas ao mesmo tempo muito legal. Jogamos videogame, que é uma coisa de que gosto muito de fazer. Mas o pessoal é muito melhor do que eu – brincou. Em Xerém, também houve situações inusitadas. Antes de um treinamento, seu companheiro de quarto o viu vestir o short sem cueca. Diante da cena, perguntou por que ele havia feito aquilo. Maicon respondeu dizendo que não tem o costume de usar cueca. – Ele riu e acabou me emprestando. Disse que não dá para treinar bem sem cueca. Aí eu tive de usar, porque realmente não é algo que eu tenha costume de fazer – brincou. Após a frustração em Xerém, Maicon voltou a Barra de São Francisco em um carro com o motorista de Deco. Preocupado com o histórico de fugas do garoto, o Fluminense também enviou um representante para se certificar de que o garoto chegaria em casa em segurança. (As informações são do globoesporte.com)